terça-feira, 2 de agosto de 2011

Em Pauta: Arte Pública - Intervenção Urbana




Arte pública- um olhar investigativo a educação patrimonial

Fabíola Batistin

Introdução

As intervenções artísticas operadas nas cidades brasileiras vêm sendo estudadas, há pouco mais de duas décadas, como instrumento para analisar as aglomerações espaciais ur-banas. Um ponto marcante nesses estudos é a abordagem desse espaço urbano como um sistema construtivo e dinâmico e não como uma estrutura construída, estática.


A cidade é planejada e analisada como um conjunto significativo de relações qualificadas e permeada por uma malha que integra ações sociais, políticas, econômicas, culturais, históricas, estéticas entre outras cujos sentidos ultrapassam sua composição e seus processos formadores. Mesmo assim, sob esses aspectos a cidade perde aos poucos seu caráter de espaço neutro.




Inúmeras manifestações como comícios, protestos, reivindicações políticas e festas populares acontecem na cidade e muitos artistas contemporâneos passam a repensar esse espaço sob o ponto de vista coletivo, constituindo e intervindo no contexto histórico, cultural e artístico, por meio das obras de artes. Normalmente essas intervenções ocorrem com o intuito de trazer para os cidadãos um contato real, mais próximo da arte nos meios urbanos, desmistifi-cando a idéia de que obras de arte devem ser vistas apenas em museus, centros culturais, galerias, locais que parecem distantes para a grande massa urbana, que se utiliza a cidade.




Arte pública - arte urbana.

A cidade sempre exerceu desafio criador para pintores, arquitetos, fotógrafos, artistas. A arte pública ou arte urbana, (como alguns artistas preferem classificar) propicia uma certa informação visual que possibilita ao público da rua, da vida cotidiana, estar em contato com manifestações que desafiam as normas sociais questionando, muitas vezes, a noção de espaço público e contribuindo para eliminar as possíveis barreiras que resistem em separam a arte da vida. Nas palavras de Brenson (1998, p.19) a arte pública é ainda uma prática social que se apropria do espaço urbano promovendo mudanças, interligando e modelando a construção afetiva/coletiva de uma cidade.



Para Lemoine, (1998, p.213) “quando um artista tem de realizar um projeto de arte pública ele precisa responder determinações de escala, situação, localização, urbanismo, arquitetura e além disso, determinações técnicas e ater-se a um orçamento” .

Os parâmetros e os meios de representação do espaço urbano vindo das experiências clássica e moderna já não são mais suficientes. A cidade contemporânea deixa de ser representada pelo uso do espaço urbano por meio de uma democracia compreendida e os parâmetros da arquitetura moderna já não respondem mais a esses desafios. Novas formulações de ocupação equivocam-se por não manterem uma relação crítica com seu entorno.A arquitetura veio sendo diligentemente relacionada ao desenho urbano de modo que a criar o espaço urbano como elemento ordenador e a cidade como rede espacial.



Jorge Mario Jáuregui (2002, p.154) menciona que um novo paradigma para o que poderia conformar o relacionamento entre natureza e arquitetura, espaço público e privado, indivíduo e sociedade, arte e fruição, sem subordinação mas articulando demandas sociais e o potenci-al tecnológico atual, se faz necessário, constituindo o legado que a modernidade estendeu.

Se por um lado melhorias da qualidade de vida e a revitalização do espaço público estão na ordem do dia materializando a imagem de resgate do espaço coletivo, artistas têm buscado compor suas intervenções a partir de uma análise simbólica desse urbano, em que a arte participa como constituinte e não como constituída, criando um campo processual entre o urbano, a cidadania e o artístico. A arte pública em suas diversas configurações apresenta-se como essa possibilidade, criando e ampliando esse horizonte promovendo e auxiliando a demanda que museus, galerias e centros culturais ainda não conseguem suprir.

E dentro dessa perspectiva, qual o acesso dos cidadãos comuns à obra de arte? Como localizar diante dessa produção aspectos educacionais que valorizem e ampliem experiências em contato com a arte? E o mais enfático nessa discussão: será a cidade apenas mais uma alternativa ao sistema expositivo da arte em questão? A proposta não é responder a todas as argumentações mas, indicar exemplos, entre as relações da arte produzida no espaço da cidade (por meio da arte urbana, arte pública) e a falta de projetos que estimulem à uma futura educação patrimonial.



Alguns museus de arte no país, como é o caso do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP) têm incentivado à produção de arte pública e à recuperação da experiência pro-cessada pelas intervenções artísticas através de mídias (fotografia, vídeo, literatura específica, jogos interativos, palestras, oficinas, etc.) – além de possuir em seu entorno um espaço reservado denominado jardim de esculturas, incentivando também à exibição da obra de arte em parques, jardim, praças. Outro exemplo dessa iniciativa é o Museu de Arte Moderna (MAM), localizado no Parque Ibirapuera desde 1969, e que inaugurou o seu o Jardim das Esculturas em 1993. Seu objetivo era o de estender a exposição de seu acervo para além do espaço físico interno, possibilitando a integração das obras de arte à paisagem do parque e que passam a ser acessíveis ao todo e aos visitantes que usufruem, pois o jardim das esculturas e o museu transformaram-se, com suas obras de arte e paredes de vidro, numa grande vitrine artística.Com isso a arte pública situa-se na interface entre o espaço institucionalizado e o espaço urbano, incluindo a reflexão sobre a cidade e suas configurações na esfera da me-mória coletiva, mas que ainda é dominada pelas instituições.

Reverse Graffiti : Ossario : street art by Alexandre Orion



Um olhar investigativo sobre a educação patrimonial

A educação patrimonial está prevista nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN - 1997 e 1998) dentro da ementa para o ensino de história. Atualmente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei n° 9.394/96 - enfatiza, no seu artigo 26, que a parte diversificada dos currículos do ensino fundamental e médio deve observar as características regionais e locais da sociedade e da cultura, o que abre espaço para a construção de uma proposta de ensino voltada para a divulgação do acervo cultural dos estados e municípios.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino fundamental, elaborados pelo Ministério da Educação (MEC), trazem uma inovação, ao permitir a necessária interdiscipli-naridade na educação básica, mediante a introdução dos chamados "temas transversais'' que deverão integrar as diferentes disciplinas escolares. Dois desses temas transversais possibilitam à escola o estudo do patrimônio histórico e a conseqüente adoção de projetos de educação patrimonial.


A educação patrimonial nada mais é do que uma proposta interdisciplinar de ensino voltada para questões pertinentes ao patrimônio cultural. Compreende desde a inclusão, nos currícu-los escolares de todos os níveis de ensino, de temáticas ou de conteúdos programáticos que versem sobre o conhecimento e a conservação do patrimônio histórico, até a realização de cursos de aperfeiçoamento e extensão para educadores e a comunidade em geral, a fim de propiciar informações do acervo cultural, despertando, nos educandos e na sociedade, o sen-so de preservação da memória histórica e o conseqüente interesse pelo tema. A necessidade da educação patrimonial ou da utilização do acervo cultural brasileiro como objeto de estudo nos currículos e programas escolares já se constituía uma preocupação dos ideólogos do patrimônio cultural. Outros historiadores e profissionais que lidam com a dimensão da memória vêm propondo no âmbito de suas instituições culturais, sobretudo em museus, a elaboração de programas de educação patrimonial.



Conforme a museóloga Maria de Lourdes Horta, (2000) “a educação patrimonial como um instrumento de alfabetização cultural, possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórica-temporal em que está inserido''. Segundo a museóloga, a educação patrimonial possibilita o reforço da auto-estima dos indivíduos e das comunidades e a valorização da cultura brasileira em sua rica diversidade. A partir da experiência e do contato direto com manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da educação patrimonial busca levar à sociedade um conhecimento ativo, capacitando-os para um melhor usufruto des-tes bens, e propiciando a geração futuras a produção de novos conhecimentos. A observação direta e a análise desse patrimônio cultural (aquilo que está à vista de nossos olhos) permitem vivenciar a experiência. O uso de métodos investigatórios é uma das primeiras capacitações que se pode estimular por meio de um processo educacional., desenvolvendo habilidades de observação e análise crítica, comparação e dedução, formulação de hipóteses e solução de problemas colocados pelos fatos e fenômenos observados.

A educação patrimonial possibilita iluminar as relações sociais e econômicas que deram origem a lugares, praças, referenciais históricos e ao mesmo tempo, o conceito de patrimônio deve ir além dos monumentos arquitetônicos, trazendo à tona também as histórias de vida nesses locais. Segundo Josso (2004, p.72) “a reflexão sobre a vida é centrada nas experiências que consideramos significativas, para compreendermos o que nos tornamos hoje, e de que forma chegamos a pensar o que pensamos de nós mesmos, dos outros e do nosso meio humano e natural.”


O diálogo com o patrimônio tem que ser feito a partir do momento presente e trazer contribuições para nossa vida de hoje, além de ser capaz de ampliar nossas concepções de vida. A cidade ainda tem espaços onde a população marginal não adentra, como se houvesse muros invisíveis. É interessante questionar o caráter público que se imprimi às relações sociais, aos monumentos, as obras de arte expostas ao ar livre na cidade, criando uma imagem de cunho público, mas que muitas vezes é privado.

Para Amaral (1997, p.193) “o olhar cotidiano, fragmentado,superficial descontinuo caracte-rístico da contemporaneidade, prioriza a velocidade, a mobilidade, é seletivo mas não reflexivo. A experiência provoca a percepção, ver em profundidade, estimula um olhar cuidadoso apreciativo, crítico e criador.” Cabe ressaltar que projetos pedagógicos que visem o incentivo de aluno-cidadãos dentro do espaço urbano da cidade contribuem e estimulam para um maior conhecimento crítico e a apropriação consciente por parte das comunidades e indivíduos do seu “patrimônio” são fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável desses bens, assim como no fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania.



Conclusões

O conhecimento dos elementos que compõem essa riqueza e diversidade e o diálogo perma-nente que está implícito neste processo educacional estimulam e facilitam a comunicação e a interação entre as comunidades e os agentes responsáveis pela preservação possibilitando a troca de conhecimentos e a formação de parcerias para a proteção e valorização desses bens.

Portanto nessa teia de relacionamentos, tanto museus,galerias, monumentos históricos e a própria cidade podem e devem sediar e abraçar a arte pública-urbana. Daí a importância da reapropriação espaço-temporal construtiva, comunitária, que as manifestações urbanas pode, mesmo nos dias de hoje, alcançar.

As relações propiciatórias dos espaços coletivos, compartilhados com a coletividade, sinali-zam vertentes produtivas de uma cultura multifacetada e dinâmica que incluem e requerem do artista e do futuro usufruidor um debate contextualizador no âmbito político, social e eco-nômico de uma determinada comunidade.



É neste sentido que a ação de projetos educacionais, pedagógicos, em parcerias com iniciati-vas privadas, Estado e representante da comunidade, devem caminhar, pois a educação patri-monial busca a capacitação dos indivíduos para a leitura e a compreensão desses processos culturais, mais do que dos produtos deles resultantes e constituem a evidência cultural que procuramos elucidar e ressaltar nos cidadãos.

Deste modo ao reconhecer a representação dos anseios e aspirações sociais, as reinvenções de acontecimentos do passado e a memória coletiva do lugar, a obra de arte pública-urbana re-força a cidadania e redireciona simbolicamente a arte e a própria cidade.


MAIS INFORMAÇÕES
Título: Arte pública- um olhar investigativo à educação patrimonial
Autor: Fabíola Batistin
Cidade/Estado: São Paulo / SP
Nível: Mestrado
Universidade: IA-UNESP
Ano de defesa: 2007


NOTAS:
(2) Crédito das imagens: saibam sobre as propostas de intervenções aqui ilustradas, sobre os artistas e suas obras visitando os blogs: ATTACK: http://attackart.tumblr.com/ - e Historia(s) da(s) Arte(s): http://historiasdasartes.wordpress.com/2010/11/08/aula-22-op-art-minimalismo-e-arte-conceitual/


Postado por Imaculada Conceição Manhães Marins



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