Olá, colegas, arte-educadores! A 30ª Bienal Internacional de São Paulo - A Iminência das Poéticas - termina domingo, 09 de dezembro de 2012! A mostra agradou a alguns, não tanto a outros, divertiu a muitos e fez outros pensarem... Compartilho, aqui, uma interessante reflexão de Sheila Leirner, crítica de arte, brasileira, morando há alguns anos na França, e curadora de duas importantes Bienais de São Paulo, as de 1985 - 18ª Bienal - e 1987 - 19ª Bienal (acessem a página do grupo de Leirner no Facebook: "18ª e 19ª Bienal de São Paulo: eu estive lá!").
SEM OUSADIA , PELO CONFORTO
Crítica de Sheila Leirner originalmente publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo em 4 de novembro de 2012.
Crítica de Sheila Leirner originalmente publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo em 4 de novembro de 2012.
Exposição erra ao apostar em noções antigas e corriqueiras
30ª Bienal de São Paulo: A iminência das poéticas, Fundação Bienal, São Paulo, SP - 07/09/2012 a 09/12/2012
Paradoxalmente, a boa vontade com que a 30ª Bienal de São Paulo foi recebida pelos brasileiros poderia ser explicada pelas mesmas reservas do crítico do jornal Le Monde e dos artistas Gilbert e George: "A exposição é trivial, a sua visita causa uma sensação de familiaridade(...) temos a impressão de que nada mudou nos últimos 30 anos". De fato, ao contrário da estimulante Documenta (13) e da formidável Trienal de Paris deste ano, esta é uma mostra confortável, lisa e sem choque, com a sustentável leveza do déjà vu e sem a fricção que a descoberta provoca. Só pode agradar.
Arthur Bispo do Rosário, um dos artistas da 30ª Bienal
A repercussão nacional parece nascer de um "consenso" construído mais por uma vontade do que pela realidade. Contudo, o crítico francês deixa claro que a bienal é "tristemente" trivial, que a sensação de familiaridade é "menos reconfortante do que decepcionante"; e os artistas ingleses acrescentam que "é uma perda de tempo, todos estão apenas revivendo o passado; se fosse uma exposição de 1971 seria muito boa".
A outra razão para a boa acolhida deste conjunto "passadista e corriqueiro" e de seu programa e estrutura conceitual pretensiosos mas sem grande imaginação, talvez seja a condescendência com que se costuma julgar um empreendimento miraculado, são e salvo da derrocada financeira que quase o impediu de se realizar. Sobretudo num País onde a cultura não é um bem inato, precisa ser defendido e adquirido com enorme esforço. Dá para entender, porém... adeus objetividade!
O "conforto" tem um preço alto e aqui ele é proporcional à falta de cumprimento da vocação primordial da Bienal, que é ser o verdadeiro barômetro, geralmente desconfortável, da situação artística internacional. O papel desta "antifeira" tem a obrigação de ser revelado não apenas a partir da reflexão sobre os caminhos artísticos, mas sobretudo da prática mesma de torná-los compreensíveis para o público.
Sheila Leirner, numa foto de seu Facebook...
Público que, diga-se de passagem, no sábado e domingo seguintes à inauguração, já estava reduzido a algumas dezenas de "gatos pingados". É possível que os que começavam a visita pelo terceiro andar, vissem o seu entusiasmo cair proporcionalmente ao declive das rampas vazias. Por mais que estivessem dispostos a compreender o que contemplavam e que percebessem as óbvias relações entre as obras e algumas analogias de linguagem interessantes, a sua curiosidade provavelmente era neutralizada pelo caráter descritivo e desapaixonado do percurso. Como se a sua trajetória tivesse sido formada pela acumulação de um "especialista", mais com o objetivo de narrar ou classificar exemplos do que de provocar vivências.
A pobre e exangue expografia acentua o olhar "científico" do organizador. Sem energia, impacto e interpelação, não há compreensão para o leigo, apenas absorção de informações. Com exceção de algumas poéticas que justificam o título da mostra, simbolizadas pelo núcleo Arthur Bispo do Rosario. Mas este não tem nenhuma relação - como quer o curador - com o formalismo e a elegância enganosa do "estilo" Sheila Hicks de tapeçaria. Teria muito mais a ver com a experiência genuína de uma Eva Hesse. A mostra Bispo do Rosário, ademais, não possui o espaço que merece. Está espremida, num local exíguo, onde não se consegue distância ou voltear as peças extraordinárias sem esbarrar em alguém.
Diante deste e de outros exemplos - como o desequilíbrio na maciça (e excessiva) presença fotográfica, o peso dado aos artistas mortos e/ou históricos (entre os quais Waldemar Cordeiro, com obras pouco representativas), a falta de consistência da maior parte dos artistas contemporâneos -, a hierarquia dos espaços, a distribuição e o número aleatório de obras para cada artista ficam ainda mais absurdos. Artistas manifestamente medíocres com "minirretrospectivas" como se fossem "salas especiais", artistas maiores jogados em áreas abertas e vice-versa. É quase um feito: a primeira vez que se vê uma graduação e uma ordem distributivas sem sentido e sem leitura. Ao contrário do que se afirmou, fora das relações analógicas que saltam à vista, não se percebe "autor e pensamento por trás".
É inútil ir procurar signos de especificidades locais e ocupar 50% da bienal com artistas latino-americanos. Hoje é até mesmo desnecessário inscrever a produção em passados históricos particulares, pois ela participa do mesmo e generalizado presente. No campo artístico - tanto quanto o econômico, político ou religioso - em 2012 passa-se finalmente ao regime da mundialização, como já foi previsto nas últimas décadas. É o fim do centro e das periferias. E é o fim das bienais renitentes que, como a 30ª Bienal de São Paulo, não mudam de modelo e, portanto, não conseguem mais espelhar a sua época.
SHEILA LEIRNER É CRÍTICA DE ARTE, FOI CURADORA DAS BIENAIS DE SÃO PAULO DE 1985 E 1987
Jornal Estado de São Paulo - 04-11-2012
Luis Pérez-Orama, curador da 30ª Bienal
NOTA: O texto em PDF reproduzido do original (de Sheila Leirner): http://sheilaleirner.com/textos/C2SL-4-11-2012.pdf
Postado por Imaculada Conceição M. Marins
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